A Escola da Exegese
Written on 13:46 by Débora
Este trabalho sobre a primeira escola da Hermenêutica Moderna tem como principal objetivo analisar e expor as razões e características da Escola da Exegese francesa, que trouxe como problema de discussão qual seria a forma mais propícia de interpretar o Código Napoleônico. Questão essa que continuou em discussão por vários anos, estendendo-se até os nossos dias, mudando apenas o objeto de estudo (Código de Napoleão).
A Escola da Exegese nasceu a partir da vontade de se estabelecer um direito positivo e sistemático. Sua construção, originária do Código de Napoleão em 1804 constituiu uma grande vitória iluminista. Como anota José Fábio Rodrigues Maciel:
O Código de 1804 foi o responsável pela unificação da legislação civil e pelo sepultamento do pluralismo jurídico, já que admitia apenas um único direito vigente para qualquer membro da sociedade. Ademais, fazendo parte e sendo o principal código da codificação capitaneada por Napoleão Bonaparte, é um marco na positivação do direito e no estudo deste como sistema [...].[1]
Foi devido à conquista da Declaração Universal dos Direitos dos Homens e do Cidadão, promulgada pela Assembléia Nacional Francesa em 1789, com a separação dos três poderes, o legislativo, o judiciário e o executivo, que se pôde começar a pensar num direito do povo, separado da vontade do soberano. Direito agora criado segundo o interesse das pessoas, e que deveria ser aplicado em total conformidade com a lei escrita, pela sensação de que as atividades dos juízes ainda estariam estreitamente ligadas ao antigo regime, tendo, os juízes, naquele momento a função apenas de aplicar as leis. Como escreve Margarida Maria Lacombe Camargo em seu livro Hermenêutica e Interpretação:
A norma justa era aquela feita pelo povo, ainda que por meio de representantes eleitos, e que caiba ser aplicada sem intermediações. Ao poder judiciário competiria simplesmente uma ação eficaz, capaz de concretizar a nova ordem tal como fora estabelecida.[2]
Com a absoluta certeza de que nas leis estava a vontade geral, qualquer outra forma de julgamento que não se baseasse na lei, e só nela, se tornaria arbítrio e desrespeito ao poder máximo do povo. Daí a Escola da Exegese surgiu, apresentando como ponto principal a função do aplicador do direito a restrita observação do texto legal. Como sustenta Laurent apud Margarida Camargo: “os códigos não deixam nada ao arbítrio do intérprete; este não tem por missão fazer o direito. O direito já está feito. Não há mais incertezas; o direito está escrito nos textos autênticos.”[3]
Segundo Bobbio[4], a história da escola da exegese, cujo conhecimento exige fundamentalmente a obra de Bennecase e a monografia Les Interprètes du Code Civil, de Charmont e Chausse[5], pode ser dividida, a partir do estudo de Bennecase, em três períodos: os primórdios (de 1804 a 1830), o apogeu (de 1830 a 1880) e o declínio (de 1880 em diante, até próximo do fim do século XX). Os maiores expoentes dessa escola, cujas obras aparecem precisamente durante a segunda fase de sua história, são: Alexandre Duranton, Charles Aubry e Frédéric Rau, Jean Ch. F. Demolombe, e enfim Troplong, autor de O direito civil explicado segundo a ordem dos artigos do Código e considerado o teórico da escola da exegese.
Bobbio considera que os caracteres fundamentais da escola da exegese podem, segundo o tratado de Bennecase, ser fixados em cinco aspectos:
a) Inversão das relações tradicionais entre o direito natural e direito positivo;
b) Concepção rigidamente estatal do direito, segundo a qual jurídicas são exclusivamente as normas postas pelo Estado. Tal concepção implica no princípio da onipotência do legislador;
c) A interpretação da lei fundada na intenção do legislador. É perfeitamente coerente os postulados fundamentais da escola da exegese: se o único direito é aquele contido na lei, compreendida como manifestação escrita da vontade do Estado, torna-se então natural conceber a interpretação do direito como a busca da vontade do legislador naqueles casos (obscuridade ou lacuna da lei) nos quais ela não deflui imediatamente do próprio texto legislativo, e todas as técnicas hermenêuticas;
d) O culto do texto da lei, pelo qual o interprete deve ser rigorosamente - e, podemos dizer, religiosamente - subordinado às disposições dos artigos do Código;
e) E o respeito pelo princípio de autoridade; a tentativa de demonstrar a justeza ou verdade de uma proposição. O recurso ao princípio da autoridade é, entretanto, ainda comumente praticado no campo do direito, e tal princípio é de máxima importância para compreender a mentalidade e o comportamento jurídicos. (Bobbio, 2006, p. 84-89) [6]
Temos na tese exegética a afirmação de que o código napoleônico era a fonte de solução para todos os conflitos presentes e futuros. Nesse momento, em contraposto à segurança que isto dava, se atenta para “uma pretensão de imutabilidade nas teses defendidas pela Escola da Exegese, o que afronta diretamente o princípio positivista da mutabilidade do direito.”[7]
O espírito da Escola Exegética tinha pra sua época grande relevância, por se tratar de uma fase histórica e social em que a necessidade de se firmar a vontade do povo, era preciso. Mas nessa época já se identificava problemas em relação às lacunas da lei. Hoje, numa fase em que as mudanças sociais são constantes, afirma Plauto Faraco de Azevedo, que:
[...] a função própria do jurista revela-se na determinação do significado do direito, a fim de aplicá-lo corretamente à realidade social. “essa aplicação-realização do direito é algo profundamente diverso de um simples trabalho mecânico de repetição do que é dado na legislação.” [8]
Assim, consideramos que o papel do legislador não pode se resumir à neutralidade e objetividade, desejando apenas que sejam garantidas a certeza e a segurança, quando no direito a justiça deve ter papel fundamental. Sem a compreensão e a interpretação o direito perde a sua essência, a sua razão. Por isso, o direito evoluiu, constituindo depois da escola exegética, outras escolas, revolucionárias e reacionárias, se apoiando nesses primeiros alicerces da hermenêutica moderna.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Crítica à dogmática e hermenêutica jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1989.
BOBBIO, Norberto. Trad. Márcio Pugliese, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Editora Ícone, 2006.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e Interpretação: uma contribuição ao estudo do direito. 3.ed. Rio de janeiro / São Paulo: Renovar, 2003.
MACIEL, José Fábio Rodrigues. O Código Civil Francês de 1804 – Histórico. Carta Forense. Disponível em:
MELLO FILHO, Rogério Machado. Escola da Exegese: breves considerações sobre sua natureza jusnaturalista. DireitoNet. Disponível em:
[1] MACIEL, José Fábio Rodrigues. O Código Civil Francês de 1804 – Histórico. Carta Forense. Disponível em:
[2] CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e Interpretação: uma contribuição ao estudo do direito. 3.ed. Rio de janeiro / São Paulo: Renovar, 2003, p. 64.
[3] CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Op. Cit. p. 66.
[4] BOBBIO, Norberto. Trad. Márcio Pugliese, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Editora Ícone, 2006, p. 84.
[5] Presente no Livre du Centenarie, vol. I
[6] BOBBIO, Norberto. Op. Cit. p. 84-89.
[7] MELLO FILHO, Rogério Machado. Escola da Exegese: breves considerações sobre sua natureza jusnaturalista. DireitoNet. Disponível em:
[8] AZEVEDO, Plauto Faraco de. Crítica à dogmática e hermenêutica jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1989.
